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Foto do escritorGut Simon

Release | A dor que começa em casa

Atualizado: 28 de set. de 2023

Livro investiga a relação entre parentalidade cristã e diversidade. E aponta o discurso religioso fundamentalista como a raiz da violência contra as pessoas LGBTI+


Foto: divulgação / banco de imagens

“Sair do armário” para a família não é um processo doloroso apenas para a pessoa LGBTI+, mas também para seus pais, mães e cuidadores. Quem nunca ouviu relatos parecidos, dos dois lados do conflito, como os descritos abaixo?


“Eu tomei a decisão de contar para a minha mãe e, naquele momento, ela me disse que tinha vergonha de mim. Doeu muito e posso garantir que, de todas as situações vivenciadas em função da minha homossexualidade, essa foi a mais pesada."


"Na época da escola, uns meninos jogaram uma porta em cima de mim e eu quebrei a perna. Minha mãe dizia que eu sofria isso por causa do meu “jeitinho de viado”. Eu tinha 8 anos."


“Quando soube que meu filho era homossexual, travei. Não conseguia conviver com ele, não conseguia tocá-lo (...). Ele morava dentro da minha casa, mas passei cinco anos o excluindo. Deve ser muito doloroso ser ignorado assim."


“Eu achava que não soube criar ele “como homem”. Eu pensava: ‘será que foi porque deixei ele dormir com as irmãs no mesmo quarto?’ ‘Como eu nunca vi ele experimentando os batons delas?’. Cheguei ao cúmulo de achar que, por eu ter sido mãe solteira e ter feito sexo antes do casamento, estava pagando por alguma coisa."


Sendo o Brasil um país majoritariamente cristão (86,8% dos lares brasileiros segundo o Censo de 2010), a dicotomia entre os valores construídos dentro da família e a expectativa frustrada promove os conflitos iniciais geradores da rejeição, preconceito e violência que irão permear a vida dessa pessoa em toda a sua existência.


Foi tentando buscar a raiz de todo esse sofrimento que nasceu o livro Semente de Vida: rejeição e aceitação de filhos/as/es LGBTI+ em lares cristãos, escrito por muitas mãos e ouvindo a opinião de profissionais de diversas áreas, além de pais, mães e pessoas cuidadoras. A obra analisa a influência do discurso fundamentalista religioso nas famílias e suas implicações – políticas, sociais e culturais – para toda a sociedade.


“As igrejas conservadoras tradicionais trabalham a questão LGBTI+ sempre apontando para a direção da perdição, então os pais estão movidos por esse medo, angústia e não aceitação”, escreve a Revda. Dayse Porto, uma das colaboradoras da obra.


"Falaremos sobre as noites de choro de pais, mães e pessoas cuidadoras que descobrem a identidade de seus filhos/as/es. Falaremos daquele momento em que, escondidas no secreto do banheiro trancado, em posse do seu celular, digitam no navegador as palavras “meu filho é gay e agora, Deus?” acompanhado de um nó na garganta por se confrontar com as palavras escritas por suas próprias mãos".

– trecho do livro Semente de Vida


O fato é que não faz parte de nenhum projeto de parentalidade, seja cristão ou não, desejar ou se preparar para um filho/a/e LGBTI+. Em uma sociedade hétero-cis-normativa, na qual heterossexualidade e cisgeneridade são compulsoriamente impostas, muitas vezes, os sonhos dos pais, mães e pessoas cuidadoras para o futuro dos filhos/as/es desabam após a descoberta.


E a rejeição acaba sendo um impulso desesperado diante da quebra da expectativa de que os filhos/as/es se encaixem, sejam felizes, não sofram discriminação e - especialmente para as famílias cristãs - que não estejam em pecado e condenadas ao inferno.


Rejeição: um ciclo que continua sendo alimentado


Ao menos 69 projetos de lei antitrans foram apresentados nas esferas federal, estadual ou municipal desde o início deste ano no Brasil, e a luta entre a Frente Parlamentar Evangélica e manutenção dos direitos das pessoas LGBTs segue em disputa diária no Legislativo.


Para os autores, a publicação pretende fortalecer as alianças entre o campo progressista e o campo progressista religioso para interromper o ciclo da rejeição às diversidades sexual e de gênero e agir em favor da propagação da vida.


"Enquanto o discurso fundamentalista religioso toma o Congresso Nacional com sua violência descabida, o discurso ético religioso já toma as ruas com sua disposição à união“, afirma o livro.


Semente de Vida é, portanto, uma obra atualíssima e necessária a todas as pessoas –

independente de orientações sexuais e crenças religiosas. "Trata-se de um convite a quem não aguenta mais ver crianças e jovens sofrerem pelo que são. Um chamado para que possamos assumir que o que melhor expressa a imagem de Deus, é a diversidade", afirma Gut Simon, co-autor do livro.

Gut Simon é comunicador social e estrategista de advocacy. Bissexual, homem cisgênero e cristão, é idealizador e coautor do livro "Semente de Vida", sobre família, fé e diversidade.

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